sábado, 27 de fevereiro de 2016

Demasiadas escolhas

Começo por dizer que não é fácil escrever sobre o que está a acontecer. Estamos envolvidos e as emoções fazem-nos entrar em crise racional, projectamos os nossos desejos e nem sempre a realidade.
A realidade actual faz-se de CRISE… palavra ouvida diariamente… 
Do Grego krisis "separação”. O termo deriva do verbo krinein, "separar, escolher, reparar". Do sentido original de "separação" veio de "julgamento", e daí "luta, litígio, processo". Assim entendemos os derivados kritêrion "faculdade de julgar, critério", kritikos "capaz de julgar, crítico". O verbo grego krinein tem uma origem comum com o latim cernere "discernir, separar", todos eles derivados de uma raiz proto-indo-européia krei- "separar". Do significado original de "acto de separação, de julgamento", passou ao português actual com o significado de "posição de ser criticado", situação difícil, embaraçosa, CRISE.
“Separar, escolher, reparar” são acções de poder…
Quem detém o poder actualmente? Sabemos?
Nas sociedades primitivas o poder era conferido aos mais velhos. A autoridade que lhes provinha quer do poder unipessoal do patriarca, quer do concelho de anciãos, permitia-lhes impor as regras que regulavam as relações entre indivíduos, quer fossem de comportamento, de gestão de bens ou de justiça. Este tipo de poder está praticamente extinto, embora ainda possa ser observado em sociedades muito rurais.
O poder gerontocrata foi cedendo lugar às oligarquias militares. A força da estruturação dos exércitos conferiu-lhes o poder militar, económico e político. Os grupos constituídos por um Líder e os que o adjuvavam constituíram-se em castas tornando hereditário o usufruto dos bens e das posições sociais que controlavam a sociedade. Estas nobrezas militares e detentoras de terra desenvolveram a solução monárquica cuja forma de governo dominou por longo tempo, aliando o carácter sagrado ao poder que o Rei exercia em absolutismo.
À medida que a terra se foi tornando secundária à mobilização dos capitais o sistema nobiliárquico foi perdendo poder face a um novo grupo social que detinha o poder económico; - a burguesia. Com a emergência deste novo grupo social o poder económico dissociou-se do poder politico-militar das aristocracias fazendo entrar em conflito o poder económico com o poder político, conflito do qual resultou a destruição das monarquias absolutistas.
Como a riqueza é sempre de poucos, as assimetrias de acesso aos bens são geradores de descontentamento e de revolta cumulativa, pelo que pouco augura o sistema plutocrático em que os mais fortes (os detentores da riqueza) assumem o controlo político, económico e social. A imposição legal de uma sociedade assente na igualdade e na liberdade de expressão, do ideário liberal, permite no entanto a gestão dos conflitos através de soluções políticas de governo e de reformas que de alguma forma vão restabelecendo o equilíbrio social.
Sendo verdade que o poder assenta actualmente nos grandes grupos económicos, a quem a globalização do mercado aumentou o poder, os mais ricos já começaram a entender que, face à complexidade da realidade, só podem manter e aumentar a sua riqueza com recurso aqueles que dominam os diferentes campos do saber.
Entendo eu que o poder deixou de ter as características anteriores, i.é o poder não está nas mãos de quem detém a máquina política, nem de quem controla o mercado económico. O poder é, actualmente, daqueles que dominam a comunicação. O exercício deste poder influência o poder político, económico e o poder judicial. Assistimos diariamente à decadência das estruturas democráticas porque já não está nas suas mãos a capacidade de separar e escolher, talvez já nem esteja nas suas mãos o poder de reparar.
A sociedade multifocal baseada na Informação, no Conhecimento, na Inteligência e na Criatividade mostra-se competição agressiva, feroz, implacável. Espreitar o futuro? - Nada – Tudo o que sabemos ou fazemos só nos fala do passado. Não importa quão excelente é o presente, um competidor mais preparado, mais criativo, mais rápido, poderá derrubar-nos - primeiro instala-se; - depois acaba com o que sabemos sem nos dar tempo à construção de pilares interiores, de saber, que nos reestruturem.
Ao mesmo tempo o interesse do indivíduo se centra em si mesmo e na sua felicidade, ele sabe que não é principio e fim da razão da sua existência, que sem o grupo não pode ser feliz. A sociedade actual produz Homens infelizes. Ilhas sem escapatória para a sua interioridade, Ilhas sem oportunidade de individualidade, Ilhas sem porto para os medos. 
O mundo global da Informação roubou-nos o Divino que assegurava a redução da complexidade. O mundo da Comunicação, do Conhecimento e da Inteligência roubou-nos o porto seguro às ansiedades. Espreitamos as notícias e concluímos rapidamente que a transcendência nem é Toda Poderosa nem Supremo Bem. Ficamos assim sós e desamparados numa sociedade agressiva e sentimo-nos presa fácil para qualquer predador.
De todas as suas funções sociais a família perdeu já, na Europa, ou está em vias de perder:
• a função politica; 
• a função económica;
• a função de transmissão de cultura;
• a função de segurança.
A família enquanto tubo de ensaio da socialização e enquanto reduto último da segurança está a desaparecer, sem que estejamos a ser capazes de o substituir por outra estrutura igualmente eficaz. A perda destas funções da família deve-se essencialmente ao aumento crescente de famílias disfuncionais, geradoras de famílias monoparentais, incapazes de reagir à pressão competitiva da sociedade multifocal. Entendo a desagregação da célula social; - família (em qualquer modalidade, hetero ou homossexual) , como um sintoma da violência social e não como causa social do aumento da violência. Entendo que a causa social do aumento da violência é a exclusão que a sociedade multifocal, da Informação, do Conhecimento, da Inteligência e da Criatividade, que estamos a construir, induz na sociedade actual. Desacredito nas estruturas sociais para substituir a família. Ela é insubstituível enquanto ambiente intimo e restrito dos afectos para o ensaio da socialização. A continuação da violência contra esta estrutura basilar da sociedade só aumentará a violência social.
Estamos a chegar a um ponto de ruptura. Os indivíduos resistem com dificuldade ao inexorável lugar a que estão a ser conduzidos; - à solidão social.
As redes sociais virtuais têm dado de algum modo resposta a esta solidão física. A internet e o individuo email tem de alguma forma libertado a fantasia que a realidade social inibe. Pergunto:
• Qual é a face ética dos indivíduos e-mail da minha rede social?
• Qual é a face ética dos indivíduos e-mail da rede social dos meus filhos?
Acima de tudo:
• A falta de relações face a face produz indivíduos com que padrões de ética?
• Qual é a face da felicidade do indivíduo e-mail?
• Qual é o potencial de felicidade da sociedade construída no individuo e-mail?
A falta de relações face a face impede a socialização por inexistência de feedback emocional real. A verdade das emoções é escrita pela mente na face.
As empresas estão a fazer recrutamento via facebook. Qual o potencial de exclusão que esta decisão gera na sociedade portuguesa?
O homem adquiriu capacidades intelectuais fantásticas. É capaz de ser racional, lógico, organizado, metódico, consistente, orientado para a apreensão de novos saberes sem se desfocar do objectivo planeado porque é dotado de método, disciplina, curiosidade. È capaz de ser integrador de diversos saberes, organiza as gavetas do cérebro e usa a interdisciplinaridade na mobilização do poder criativo de novas realidades. É capaz de ser divergente e inovar. Estas têm sido as capacidades que o indivíduo social tem vendido aqueles que compram saber para manter e aumentar a sua riqueza: - Disciplina; - Integração; - Criação. 
Estas têm sido as capacidades chave do sucesso social. Quem pode comprar o saber compra estas capacidades ao indivíduo social, manipula todos os meios de comunicação (internet, media, marketing, etc) para gerar a necessidade de desenvolver ainda mais; - estas e só estas, capacidades da inteligência humana, mantendo e aumentando a sua riqueza, aniquilando a possibilidade da construção feliz da sociedade.
O Homem tem outras capacidades, capacidades arquetipicamente femininas, que a sociedade multifocal esquece existir e atira para debaixo do tapete da competitividade. O Homem é capaz de inteligência social, é capaz de ter no outro interlocutor que lhe merece atenção e respeito. È capaz de ser construtivo nas suas relações sociais, acolhendo a diferença pelo exercício da tolerância. O Homem é valorativo, socialmente responsável, maduro, altruísta, capaz de cuidar dos mais fracos provendo-lhes apoio e segurança. No pressuposto da força do carácter é capaz do consenso e do respeito da liberdade individual. O homem é capaz de tudo isto porque tem consciência social. É nessa consciência, face a face, que constrói a sua felicidade individual.
A sociedade bipolarizada em ricos e pobres está de facto em crise. 
Crise é sinónimo de mudança e ela é inevitável. As doses de infelicidade, que o afastamento dos valores femininos tem provocado na sociedade, obrigarão a mudança pelo cumulativo de infelicidade que gera no indivíduo.
Desacredito da Sociedade manipulada pela Informação. É evidente ao indivíduo a ilusão criada pelos média. Acreditar na estupidez das massas é partir de um princípio errado de poder. O poder tem sido exercido por essa via mas carece de ética evidente e mostra-se como sintoma de um sistema de poder em crise e não como real potencial de poder.
Acredito que o individuo ao centrar-se em si mesmo; - início e o fim da razão da sua existência, caminha para a sua realização como um todo; - Síntese dos arquétipos masculinos e femininos do potencial de si mesmo. O caminho egoísta que escolhe constrói a mudança na partilha dos bens. Existem já empresários que consciencializaram a bipolarização entre aqueles que detêm o conhecimento e os que garantem a produção dos bens, e estão a introduzir os valores femininos na gestão das suas organizações, para além da produção de bens e serviços introduzem no seu planeamento estratégico; - cuidar da área social (Responsabilidade Social das Empresas – RSE – Norma Social Accountability 8000 (SA8000) foi criada pelo Council on Economic Priorities Accreditation Agency (CEPAA) – Em Portugal só a Delta Cafés é certificada). Perceberam que ou a partilha dos bens é mais equitativa ou desaparecem enquanto intermediários entre os que Conhecem e os que Produzem. 
Conhecimento e socialização; - Duas aprendizagens que se auto-sustentam, por via da experiência, ao longo da existência de um indivíduo. 
Acredito na sociedade do Conhecimento que potencia o desenvolvimento de todas as capacidades do Homem; - as masculinas e as femininas. Acredito que a sociedade caminha para uma nova bipolarização entre os que conhecem e os que asseguram a produção de bens. O usufruto desses bens terá que ser democratizada para haver equilíbrio social. Os que produzem terão de encontrar compensação para a função produtora. Terão que ter acesso ao bem-estar, ao lazer e ao conhecimento (a socialização secundária terá que ser contínua e não intermitente). A epistemologia construirá a sociedade do futuro que, gera riqueza respeitando, cuidando, partilhando. Ao fazê-lo a sua base de sustentação; - o conhecimento, alarga-se, tornando-se assim uma sociedade mais sabedora e mais democrata. Acredito que a inclusão das capacidades arquetipicamente femininas do Homem na vivência social construirão uma sociedade em que a mudança deixe de ser uma ameaça, o livre arbítrio real na separação, na escolha, se necessário no reparo do face a face social. Acredito que a sociedade construída no indivíduo que expressa a verdade de si mesmo é auto sustentável e constrói o Homem feliz.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Em construção

Senta-te aqui!
Deixa o verbo fluir
Como flui a ternura da brisa
Junto a nós há conversas
De cabelos longos
Que acarinham

De bocas abertas
Dizemos a tranquilidade
Do isto e do aquilo
Inconsequente
Embarque da solidão
Para parte incerta

É na ausência
Que nos acendemos

Brasido íntimo
Que a cumplicidade incendeia
E somos, sem pecado,
De bocas fechadas
Insustentável deleite

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

matéria e espiratualidade

“Não existia nada: nem o claro céu,
Nem ao alto a imensa abóbada celeste.
O que tudo encerrava, tudo abrigava,
E tudo encobria, que era? Era das águas
O abismo insondável? Não existia a morte,
Mas nada havia imortal. E a separação
Também não existia entre a noite e o dia.
Só o Uno respirava em si mesmo e sem ar:
Não existia nada, senão Ele. E ali
Reinavam as trevas, tudo se escondia
Na escuridão profunda: oceano sem luz.
O germe, que dormitava em seu casulo,
Desperta ao influxo do ardente calor
E faz então brotar a Natureza Una”
in: RigVeda

Como interligar o existir e o inexistir em simultâneo? Como inteligir um sentido respirando em si mesmo, sem luz, latente em seu casulo? Como inteligir um casulo de treva germinal? Não é da Luz Divina e Criadora que brota a natureza manifestada mas de uma profunda treva em que se esconde. Um ser e um sentido absoluto são ininteligíveis no mundo relativo da razão solar. Convido-te à Luz Lunar. Convido-te ao maravilhoso, à imaginação, ao sonho, para buscar o sentido do imanifesto na natureza manifesta. É isso que aqui devemos fazer, não é?

Tudo para se manifestar necessita de um veículo. É necessário que o imanifesto impregne a plasticidade para que se exprima. Como expressar o Espírito sem Matéria? É necessária uma forma, não é? Não há no Universo o puro espírito sem matéria. Estes dois pólos: - O espiritual ou o imaterial ou a consciência e - a substância ou o material ou a receptiva plasticidade que lhe serve de veículo existem no seio do absoluto; - existe no seio do absoluto a consciência e o véu que a encobre, esse mesmo véu que lhe serve de veículo para manifestação individual do absoluto escondido na escuridão profunda da interioridade, respirando em si mesmo e sem ar.

Deixa que o tempo se dobre sobre si mesmo e permite-te voltar ao mais puro estado do Caos. Nem morte nem imortalidade, nem noite nem dia, apenas treva impregnando o quadrado da natureza, latente em seu casulo aguardando o despertar.

É agora que te peço para que deixes manifestar, no mais fundo da tua treva, a ténue Luz Lunar, deixa que desperte, ao influxo do seu calor, a Natureza Una em ti. Deixa-te volatilizar como se fosses apenas odores aquecidos vagando o espaço, deixa que se erga do Fogo do Meio-Dia ao Setentrião o véu da materialidade. O abismo profundo das águas separa-se deixando que a montanha se manifeste, Feminino e Masculino, impregnando dos seus odores diferenciados, o Uno Rectângulo de Ouro.


Dá ao teu olhar altura e deixa que a abóbada celeste respire resplandecente com seus luzeiros de fazer o Dia e de fazer a Noite, deixa que a mais profunda Treva em ti vá cedendo, lentamente, lugar à manifestação da Luz, reconhece de igual modo o velho e novo, o amor e o ódio, a vingança e o perdão, o individualismo e a fraternidade, a morte e a vida que Ela move, a matéria e a espiritualidade que Nela vivem. Deixa que essa dualidade, tão nossa conhecida, opere a Natureza Terra, agora  diferenciada da impregnação do quadrado.

Dá  ao teu olhar comprimento, e contempla a Beleza do Universo, o Macrocosmos manifestado Luz da tua mais profunda Treva, dando igual lugar: - ao novo e ao velho; - ao quente e ao frio; - ao compreendido e ao incompreendido; - ao próximo e ao longínquo; - à Luz e à Ausência em que se mostra.

A Ténue Luz Lunar Dela desdobrou-me o velho Mito para me poder fazer Sol em outro lugar do tempo. Qual o tempo? Qual o Lugar? Não sei … O que eu sei é que no centro; - A semente desperta do meu casulo de Treva pelo influxo ardente da razão e do sonho, para brotar enfim a natureza única em mim; - nem Centro nem Esfera, nem Sol nem Lua, nem Feminino nem Masculino, nem Luz nem Obscuridade, nem Bem nem Mal, apenas o Véu da Consciência que um Tempo de Amor paciente continuará a revelar-se-me. 

domingo, 29 de dezembro de 2013

Meia-noite no meu dia

Esta noite podia sonhar a lua
A melodia breve da brisa sobre agulhas
Desenhar calmaria a odor de pinho
Esta noite podia pesar o sono
E descansar, enrolar-me no sonho,
Como se fosse concha de primordial
Colocar a um canto os uivos tristes
Que me vêm das fundas águas
Gritos que a servidão gera
Comunicando-me à solidão
Esta noite podia abrir a boca às estrelas
E pintar a noite com uma verdade interior
Ideia revelada, pura e compreensível
Esta noite podia volatilizar-me
Ao calor do fogo regenerador
E fazer retornar Sophia a Pleroma
Extinguir Dimiurgo em mim
Ordenador do informe e do indeterminado
Conformador de realidade copiada
De ideias falidas e insustentáveis
Esta noite podia sonhar a liberdade
Unir-me a Ovídio e gerar cisão
Sustentar a discordância, dissidir
Desta realidade Caos
Sim, podia, esta noite podia …
Ao virar da meia-noite
Podia sonhar só o bem
E realizar-me dia

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Feliz Natal

Não me procures
Que dentro a mim
Te encontrei

Sabendo-te
Forma, paladar e odor
És em mim errante

Tateei a mais densa treva
Para te saber
E sabes-me à Centelha de mim
Tremeluzente, errático, débil
Caminho de erro e acerto

Não me queiras submissa
Que na queda visto coragem
E arrebato a comoção
Não me esperes grata
Que sedução 
Não me cai bem

Torço, grito e agito-me, mas
Menino que a noite Redenta
Não me procures 
Que dentro a mim
Humano!

Te encontrei.




terça-feira, 27 de agosto de 2013

jardim Secreto

- Amas-me?
Sim.
-Amas-me como?
Como amo o oceano
As gaivotas
Ou os lírios do campo

- Queria dizer-te 
Não digas!
Deixa muda a Voz
o silêncio do teu gesto
rompe o ruído
musicando segredos nossos

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Alma

Hoje fui ao meu lugar de chorar.
Como de todas as vezes; - Chorou-me o riso!
Gargalhar melodioso solto do olhar das folhas;
- Despertaram-se-me as ilusões de morada incerta
que vagueiam por entre passos a monte do amor.
Hoje fui ao meu lugar de chorar e
mentia se não dissesse que:
- como de todas as vezes –
Percorri, frente a frente,
todo o tempo para trás,
todos os enganos,
todas as coincidências que tropeçaram em mim.
Rememorei todas as vezes em que
nos incompreendemos,
todos os inconsequentes
em que te fumei.
Lembrei-te a forma…
e chorei
cristalino
o choro que te ficou
por chorar...
Voltaremos a encontrar-nos
mas ainda não.