Hoje eu podia acreditar em alguma coisa
Podia acreditar que uma ave vai voar sobre a minha janela
e levar-me no seu voo
Nem precisava de acreditar em algo tão extraordinário
Podia ser um crer de coisa banal
Como acreditar que a vizinha vai bater à minha porta
E dizer-me que se lembrou, de tanto me não ver, de
me interromper subitamente a solidão descrente
Não!
Isto seria extraordinário!
O desvelo da vizinha, por muito, não poderia chegar a tanto.
Um crer mais comum...
Assim como crer que me velam a existência
E que a solidão não é mais que o erro de percepção
Se eu pudesse crer este pouco
Talvez me deslocasse deste lugar de ser lúcida para o lugar de ser louca
No manicómio há quartos com portas e janelas com barras
Onde se sabe não há aves
Nem vizinhos
Nem nada que nos vele
Apenas solidão que corre por entre os bocados de lucidez descrente
Hoje eu queria crer que sou louca
E que posso atirar fora a lucidez deste meu cristal
Como tinta de um quadro de emoções rubras
Pintadas a pincel de angústia
Esta velha angústia transbordante
Que me seca as lágrimas
(Não ficar nem partir
Não chorar nem rir
Não desacreditar nem crer)
Amargando-me o sentir
Hoje eu queria crer que a lucidez é o voo da ave
E que abriram o manicómio à realidade:
- Nas ruas, nas bolsas; nos passos apressados para o sucesso surdo
A qualquer sensibilidade; nos bolsos dos sem-abrigo;
Nas mães sem pão nas mãos; vaga a loucura,
Tão desumana, tão escrava de afazeres injustos
de um tempo sem tempo para sonhar;
- o voo
Esse despropósito pousado sobre a minha janela
Creio agora! Creio!
Realidade perene de verdade
Amarfanhada à mão da humanidade
Rezo-lhe!
e ao rezar-lhe chamo-lhe:
- Liberdade!
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012
A Chave?
Poema visual de ParadoXos
O diálogo ocasional com o vizinho de lugar no 17 escorria-me das camadas de mortos com que visto as conversas ocasionais de autocarro.
O autocarro é um falso lugar para comunicar, expressar nele um pensamento é acabar com a sua verdade.
Em verdade não sei quantos mortos trago vestidos. Tenho chaves que abrem os seus caixões para que delatem pensamentos dos quais não é possível discordar. A poeira dos mortos cobre o vizinho que, quieto, educado, sensível, como um espectador da minha insensibilidade, me sorri o silencioso acordo à morbidez dos dias.
Liberto-me dos dias e penso; -faca - mas fecho as palavras dentro da boca; - a viagem é demasiado curta para o homicídio.
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